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NÃO ME PERGUNTEM SOBRE A MINHA TESE!

corbis.com

   Uma das perguntas mais irritantes com que me deparo todo-santo-dia é: E aí? Como vai o mestrado!? Também, ninguém merece eu ter dito pra toda a gente, quando passei, que estava no Mestrado, que agora ia ser uma nova pessoa, iria ter carros importados, iates e mulheres. Na verdade, anunciar as boas novas é um dom, que não deve vir acompanhado de uma alegria capaz de colocar todos durante pelo menos um decênio a perguntar: “E aí, foi legal aquela parada, né?”; “Nossa, como a Bete ficou feliz quando os seus gêmeos siameses foram separados” – essas coisas...

   A questão é que não há nada mais triste para um mestrando em Economia Doméstica, Engenharia de Produção, Português-Javanês ou Espanhol-Línguas-eslavas-extintas-da-Antiga-Mesopotâmia do que a pergunta: “E aí, a dissertação? Está andando?”. O pobre sempre repete a decorada frase: “Não, ainda não, quebrei o pé, o computador pifou na hora em que estava escrevendo a conclusão” ou “um morcego agarrou o meu pescoço na hora em que ia levar o texto para o orientador, com o susto, caí na lama, molharam-se todas as folhas, não tinha mais nenhuma cópia além daquela e – o pior – o disquete também se escafedeu na lama. Fui pra casa para gravar em outro disquete, quando descobri que um sobrinho de sete anos jogou o computador no chão enquanto jogava frescobol com um elefante – o Rodrigão”.

   Outra coisa que irrita, irrita muito mesmo é falar sobre o tema da tese, dissertação. O problema não está em ficar horas dizendo algo que lhe dar prazer, mas em explicar a relevância do seu trabalho. Por exemplo, você faz biologia, sua pesquisa sobre a importância da pulga na bolsa escrotal dos javalis do sudoeste asiático é tida como a mais criativa do seu centro universitário; você ganhou prêmios com ela, você se sente uma pessoa com ela, um ser, uma vida! e depois de explicar do que se trata, sempre perguntam: “É isso mesmo?”. Daí, você chora, se sente nas trevas, muito mal mesmo...

   Estou começando agora a minha dissertação de Mestrado, portanto, quem está lendo esse texto está contemplando a confissão de alguém apaixonado por literatura. Vou escrever um texto que fala sobre a construção da memória individual aliada à coletiva, à história oficial e re-pensada pela nova história - ai gente! Quando eu falo esse monte de coisa ou eu não entendo ou alguém entende, ou ninguém não (sic) entende. Vamos ver se consigo matar esse leão até o fim do ano!

   Mas, por favor, não me perguntem sobre minha tese!


FONTE: http://www.ideiasmutantes.com.br/archives/2004/09/nao_me_pergunte.html ( Avó Peluda)

 
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